O guia básico para identificar fontes na rua
Esbanje todo seu conhecimento tipográfico onde for
Então você é designer e quer tirar uma onda apontando o dedo para fontes por aí sabendo de cabeça o nome de cada uma delas para impressionar seus amigos? Não diga mais nada, estamos aqui para te ajudar.
Hoje vamos começar pelo nível básico, então a tarefa é muito simples: basta ter uma memória fotográfica e conseguir memorizar 150 tipografias e seus respectivos nomes.
…mentira, não é nada disso. A coisa é simples mesmo.
Disclaimer: saber identificar as fontes é apenas a parte divertida da coisa, mas é claro que não é o principal. Saber o nome de mais ou de menos fontes não vai te fazer ser melhor como designer. O mais legal mesmo é saber olhar para as fontes. Se você for capaz de perceber detalhes das letras, vai entender melhor como a tipografia afeta os trabalhos que a gente cria. E, de brinde, não faz mal ter um pouquinho de conhecimento do tipo catalográfico para gastar. Afinal, designer também merece se divertir!
Um jogo de probabilidade
É claro que ninguém conhece todas as fontes do mundo (e não teria nenhum bom motivo para tentar fazer isso), então nós vamos apostar nossas fichas naquelas que são as mais comuns. Boa parte de todos os materiais gráficos produzidos usam um grupo relativamente pequeno de fontes, então não é tão difícil assim reconhecê-las casualmente.
Outra facilidade é que, como a tipografia é um mercado global, essas fontes vão acabar sendo as mais comuns também em praticamente qualquer lugar do mundo que você for, pelo menos no nosso mundinho ocidental.
Antes de tudo: os estilos
Toda fonte entra em alguma categoria de classificação, então, para criar intimidade com elas, a primeira tarefa é conhecer esses grandes grupos, para aí sim conseguir olhar para as tipografias individualmente depois.
Se você já fez seus estudos tipográficos e sabe bem do que estou falando, pode até pular esta parte. Mas para quem está dando os primeiros passos no mundo da tipografia, este momento é essencial.
Existem dezenas de formas de classificar tipografias, mas dessa vez vamos ficar com a mais simples. Em relação à construção das letras, as fontes dividem-se em serifadas, sem serifas (ou sans) e fontes script.
Serifas são, resumidamente, traços que se estendem das hastes das letras nas suas extremidades. Assim como as próprias letras, as serifas podem ter infinitas formas diferentes: quadradas, redondas, pontudas e de todo jeito que você pensar.
Já as sem serifas, bom…você consegue imaginar.
Por fim, as scripts não conseguem se encaixar em nenhuma das categorias principais, porque elas têm letras conectadas.
Com esse kit básico de informações, você já tem meio caminho andado para identificar fontes. Não tem problema não reconhecer uma fonte específica, mas, se for errar, pelo menos fique dentro do grupo certo.
Confundiu a Times New Roman com a Baskerville? Tudo bem, estamos no caminho. Já se a confusão for entre Garamond e Helvetica, por exemplo, quer dizer que algo deu errado na primeira aula.
Como identificar fontes
Você já sabe dividir as fontes em grupos abrangentes de classificação, que é um primeiro passo importante. Agora é hora de parar de olhar para a floresta e começar a olhar para as árvores, ou seja, não para os grupos, e sim para as fontes.
1ª dica: conheça seus a’s
A letra ‘a’ minúscula é a mais expressiva do alfabeto em praticamente todas as fontes, sem contar que é também a mais comum de aparecer nas palavras. Ou seja, ela é a que mais denuncia a tipografia da qual faz parte. Isso acaba sendo verdade para as letras minúsculas de maneira geral, que costumam ser bem mais expressivas que as maiúsculas.
Saiba identificar várias letras ‘a’ diferentes, e logo mais terá de cabeça as fontes de onde elas vêm. Veja se a terminal dessas letras, por exemplo, é em gota, reta, aberta ou fechada; se o topo é reto ou curvo; o quanto de contraste ela tem; se a contraforma (a parte vazada) segue a curva externa ou se são diferentes.
Enfim, como tudo na tipografia, a resposta está nos detalhes.
Mas é claro que só uma letra não diz tudo, até porque você pode encontrar um logotipo que não tenha ela, por exemplo, então vai precisar de mais do que isso.
2ª dica: não se deixe levar por pesos e estilos
A maioria das famílias tipográficas possuem diferentes pesos, ou seja, a possibilidade das suas letras ficarem mais finas ou mais grossas, e algumas possuem até larguras diferentes. Não é isso que vai definir se estamos diante da tipografia A ou B, então lembre de nunca depender desse fator para reconhecer uma fonte.
3ª dica: de olho nas repetições
De maneira geral, fontes são construídas a partir de módulos que se repetem em várias letras. Isso é o que dá a coesão a um desenho. É importante saber identificar essas características repetidas.
Por exemplo, as letras de uma fonte podem terminar sempre em um ângulo ou sempre retas; a abertura de letras como o ‘C’ e ‘G’ pode ser aberta ou fechada; o ângulo de contraste (o eixo que conecta os pontos mais finos das letras) pode ser reto ou angulado, e assim por diante.
Conhecer esses elementos também te deixa menos dependente de identificar letras específicas, porque a ideia aqui é conhecer o sistema como um todo.
Algumas tipografias canônicas
Nem focando apenas nas tipografias mais famosas daria para falar de todas, então a seleção que fiz aqui é uma amostra pequena apenas para iniciar a conversa!
Arial x Helvetica
A Arial nasceu literalmente como uma imitação da Helvetica, então a melhor forma de conhecer uma, é conhecendo a outra. As proporções das letras são exatamente iguais nas duas fontes, então o que as diferencia são alguns detalhes, especialmente na finalização das letras.
Basicamente, a grande diferença entre as duas é que as letras da Helvetica têm extremidades retas, enquanto as da Arial começam ou terminam em ângulos diagonais. Isso faz com que as letras da Arial sejam um pouco mais abertas.
Uma letra clássica para diferenciar as duas é o ‘R’ maiúsculo.
Sim, a Helvetica é um fenômeno cult e considerada por muitos como umas das melhores fontes já feitas, enquanto a Arial é tirada como porcaria, mas elas são bem parecidas.
Futura
A Futura é uma queridinha dos designers já há décadas, e é o exemplo perfeito para você refinar sua ideia sobre categorias tipográficas. A questão não é só ter ou não ter serifas, mas cada grupo desse também tem seus subgêneros.
Enquanto a Arial e a Helvetica são exemplos de fontes sans do tipo “grotesca” (ou “neogrotesca”) e ainda guardam um pouco de construção orgânica, a Futura é o exemplo de uma sans geométrica, construída com maior precisão matemática.
Veja como as letras redondas parecem círculos perfeitos e tudo é muito racional. O ’t’, por exemplo, é em formato de cruz, sem a base horizontal comum nessa letra. O ‘a’ de “um andar”, como essa forma é chamada, é muito parecido com o ‘o’ minúsculo — o que pode ser um problema de legibilidade, mas traz uma carga de exatidão, que é intencional.
Se for dar uma volta no bairro e encontrar uma fonte geométrica, pode arriscar na Futura e a chance de acertar é grande.
Montserrat
Talvez essa seja mais fácil de encontrar no seu computador do que no seu bairro, mas de todo jeito é uma fonte bem popular. Ela também tem uma vocação geométrica, mas sendo mais calorosa que a Futura. A Montserrat é feita de terminais bem curvas e uma altura-x elevada, ou seja, pouca diferença de altura entre maiúsculas e minúsculas.
Garamond(s)
Esse é possivelmente o grupo mais tradicional de fontes serifadas. O desafio de identificá-lo é exatamente esse: é um grupo de várias fontes ou mesmo um estilo de fontes. A Garamond tem um número de versões a perder de vista. Mas não tem problema. Saber identificar uma Garamond exata fica para o nível avançado. Hoje, basta você sair daqui sabendo olhar para uma fonte e dizer que é uma Garamond, não importa qual.
O que você precisa reparar é que as Garamonds são fontes muito orgânicas, carregando a manualidade no desenho. O eixo de contraste é super angulado e, em boa parte das versões, os traços são bem irregulares, pouco racionais.
Até as serifas podem ser curvadas na base. Outro ponto importante é que as fontes old style, como as Garamonds, privilegiam uma altura-x baixa, já que ela traz mais legibilidade para tamanhos pequenos. Isso significa minúsculas bem menores que maiúsculas, além de traços ascendentes que parecem super alongados.
Cooper Black
Não poderíamos encerrar o manual sem falar de fontes display, aquelas que já nascem para uso em títulos e tamanhos grandes. Dessas, o maior clássico é a Cooper Black, muito usada em comércios de todo tipo.
A Cooper mal precisa de dicas para ser identificada. O estilo dela já é inconfundível, sendo o resumo visual perfeito dos anos 1970. Ela basicamente não tem traços retos, nem mesmo nas serifas de base. Outro traço marcante é a letra ‘O’ que pende para a esquerda.
Bungee
Geralmente, uma fonte precisa de muitos e muitos anos até ser vista em todo lugar. Nossos exemplos anteriores são prova disso. Mas, de vez em quando, algum designer acerta em cheio no desenho e canal de distribuição de uma fonte, e ela se torna um clássico instantâneo.
A Bungee, lançada pelo David Jonathan Ross em 2016, não tem a mesma tradição de outras, mas, pelo menos no mercado brasileiro, ela pode ser considerada sucesso absoluto. Já vi ela ser usada de comunicados da prefeitura a panfletos de restaurante. Provavelmente, a Bungee está rodando pela sua cidade também.
Ela foi desenhada já tendo letreiros de rua como inspiração, então faz todo sentido que seja abraçada para anúncios.
Identificá-la também não é muito difícil. Todas as letras preenchem o espaço de um quadrado, e a as versões com sombra e inline também a ajudam a ser muito única. A letra mais notável é o ‘R’, com o bojo recuado atrás da perna.
Agora é contigo!
Esta pequena lista não é nada mais do que uma motivação para você reparar mais nas fontes ao redor, caso já não faça isso. Lembre que não é uma questão de memorização, mas de entender a estrutura das letras, além de olhar para elas como sistemas, e não letras individuais. O mais importante: encontre os seus próprios “clássicos”, as fontes que você conhece de cabo a rabo.
Uma mega comum de encontrar aqui no Brasil, basicamente o equivalente ao meme da Papyrus, é a Bauhaus 93. Acredito que ela seja mega comum porque ela tá no pacote Microsoft e é meio que uma geométrica black. Na falta de outras fontes com pesos maiores, devem ter usado ela a rodo. Muito fácil encontrar ela pelas ruas em comércios.