O valor do design multi-tipográfico
“Não crie para outros designers, crie para o seu público.” — Bethany Heck
Recentemente, vi um vídeo com o título “O curso de tipografia mais curto do mundo” (em espanhol, no canal do Eze Cichello). Esse “curso” dura seis minutos e, surpreendentemente, de fato consegue colocar bastante informação em um espaço tão curto.
O conteúdo é interessante, a edição e divertida e, para alguém que está tendo os primeiros contatos com o tema, parece também bastante útil. É claro que não dá para ser muito profundo em seis minutos, mas senti que o clickbait foi bem entregue.
Em dado momento, o apresentador do vídeo faz um alerta ao público: duas fontes por layout no máximo, não se empolgue muito; antes de quebrar as regras, siga elas etc. etc. Esse é um chavão antigo do design, repetido à exaustão pelos bastiões do bom design.
Minha opinião é que, nesse ponto, ele está…certo. Pelo menos, acho que está certo dentro do contexto de falar com designers muito iniciantes. Nesse caso — embora ache que deva ser encarado mais como sugestão do que como “regra” — concordo que é saudável para o/a designer iniciante se colocar esse limite para não se atrapalhar muito.
Mesmo usando apenas uma tipografia, já pode ser difícil fazer uma boa composição tipográfica, então, para quem está começando, talvez seja mais interessante começar pelo básico e ir sofisticando seu trabalho aos poucos.
O grande problema dessa “regra” é que nos acostumamos a pensar que ela é absoluta, e deve ser seguida ferrenhamente por todos. A partir daí, ela se torna um dogma. Vemos designers já com carreiras estabelecidas ainda com medo de usar várias fontes em projeto, e ainda repassando adiante a regra como se fosse um valor universal.
Não existe limite para quantas fontes um projeto pode ter. A polícia do design não vai te prender em casa (pode até te encher o saco no Instagram, mas você vai sobreviver). Usar várias fontes pode deixar seu trabalho muito mais rico, e há formas “seguras” de fazer isso: basta se envolver profundamente com as fontes que seleciona, conhecendo bem suas características.
Melhor do que me ouvir, é ouvir a Bethany Heck, designer com experiência em empresas como Microsoft, Medium e Tumblr, autora de um artigo — que já se tornou um clássico — onde defende ferrenhamente a ideia de compor mais de duas fontes em layouts. Isso pode ser um escolha estética, mas também técnica.
A Bethany Heck mostra como fazer composições multi-tipográficas olhando minuciosamente para semelhanças e contrastes entre as fontes.
Nós traduzimos esse texto (com a permissão da autora, é claro) alguns anos atrás, e agora parece muito oportuno relembrá-lo. Publicado originalmente em 23 de agosto de 2021.
O valor do design multi-tipográfico
por BETHANY HECK (tradução: Valter Costa)
Fiquei sabendo que um dos atributos mais reconhecidos do meu trabalho de design é a minha disposição em usar uma quantidade de fontes que é considerada exagerada. Já li inúmeros artigos sobre pareamento tipográfico, e quase todos eles sugerem – para qualquer projeto de design – o uso de poucas famílias tipográficas diferentes. Também já vi comentários parecidos em relação aos meus trabalhos, sugerindo que eles são bons apesar do número de fontes que usam.
“Eu amo esse site porque ele não tem medo de quebrar uma das primeiras regras de composição tipográfica – ‘não use muitas fontes diferentes’. Quatro famílias são usadas, duas sans e duas serifadas – Galaxie Copernicus, Interstate, Harriet e Nimbus Sans. O segredo para conseguir emplacar isso é consistência. E o site da Bethany Heck é vigorosamente consistente em usar cada fonte para um propósito específico.” – Jeremiah Shoaf, Typewolf
Encarei isso como um desafio. Obrigado, Jeremiah!
Quero apresentar um contra-argumento e falar sobre o valor de sistemas tipográficos ecléticos, e sobre como você pode estruturar seus projetos usando mais fontes diferentes de forma eficaz.
Por que existem regras sobre o número de fontes que deveríamos usar?
Todos podemos apontar designs questionáveis que usam um número excessivo de fontes. Dá para sentir quando um designer está tentando compensar uma deficiência ao jogar mais fontes num projeto. Como aquele restaurante que coloca voz e violão para você não perceber que a comida é ruim. Aqui é que o design começa a ficar caótico, confuso e bagunçado, e onde usar várias fontes ganha uma reputação ruim. Você não pode só jogar mais ingredientes em cima de um prato e torcer para que ele fique mais gostoso.
Por trás da imposição de limites para o número de fontes que usamos está um esforço gentil de salvar designers da tentativa de forçar emoção através da variedade. A ideia é encorajá-los a olhar com mais cuidado para as famílias que usam e se esforçarem para usar fontes que supostamente podem ser ressignificadas para qualquer propósito necessário. Sem ter fontes diferentes como muleta, os designers se forçariam a resolver questões de hierarquia e conteúdo. Muitos designers darão o conselho de limitar-se a duas famílias tipográficas num layout. Outros irão generosamente permitir uma terceira, mas só para que você pare de encher o saco deles com isso.
Existe uma lógica para essa regra de três. Escolher uma fonte “operária”, uma display para dar personalidade e uma terceira para dar conta de situações especiais. Famílias tipográficas funcionam do mesmo jeito que famílias reais: se tiver mais de três crianças correndo pela casa você se encontra num caos profundo. Cada fonte que você incorpora num layout é uma nova responsabilidade. Elas têm necessidades, vontades e desejos. Quanto mais você adiciona, mais interesses você tem que atender – enquanto ainda tenta seguir seu objetivo final, que é o de uma comunicação visual eficiente.
Dito isso, quero falar sobre comentários tipo esse:

Não confunda preferências com regras
“Não crie para outros designers, crie para o seu público.”
Quando terminar de ler o texto, volte aqui para nos contar se você já usa ou se agora já sente-se pronto/a para usar mais duas famílias tipográficas em um layout!