Pixar anuncia Toy Story 5. DreamWorks já está trabalhando no Shrek 5. Adidas recria coleção de 2006. Nike traz de volta a clássica chuteira Total 90. Relembre os melhores desenhos animados dos anos 2000. Vendas de discos de vinil crescem 136%.
Esse tipo de notícia não deve ser nada estranha para você. A cada dia que passa, parece que estamos mais cercados de referências ao nosso próprio passado, e o futuro próximo estranhamente tem um quê de familiar. Se fosse possível reunir todas as iniciativas desse tipo em um grande grupo, provavelmente a nostalgia poderia ser considerada um dos mercados mais lucrativos do mundo.
Mais do que isso, a nostalgia é uma força política capaz de direcionar decisões que afetam o mundo inteiro. Afinal, existe algo mais nostálgico do que a frase “Make America great again”, slogan de campanha de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas de 2016 e novamente em 2024?

Isso quer dizer então que a nostalgia é um perigo para a sociedade e devemos bloquear imediatamente esse sentimento, certo? Não, é claro que não.
Quando a gente fala de nostalgia, é importante reparar que ela pode ser de vários jeitos diferentes, ter vários efeitos diferentes e também revelar várias coisas diferentes por trás desse sentimento de retorno.
O mais curioso é que, em diversos aspectos, a nostalgia pode ser um sentimento bem bifurcado, então não existe só um tipo de nostalgia. A nostalgia pode ser tanto conservadora, como progressista; pode sustentar argumentos de esquerda, mas também de direita; pode ser paralisante ou mobilizadora; criativa ou preguiçosa.
E sim, ainda vamos inserir o design nessa história. Mas antes, uma parada rápida na origem do termo.
No passado também havia passado
A nostalgia, como um termo, nasceu no ano de 1688 na dissertação de um médico suíço chamado Johannes Hofer. Com radicais gregos, a palavra significa algo como “a dor de querer voltar para casa”. O mais interessante é que essa ideia não surgiu com a embalagem “pop” que damos a ela, ou seja, como uma lembrança afetuosa de memórias da infância e juventude. A nostalgia era considerada uma doença.
Hofer observou que pessoas afastadas de casa poderiam apresentar sintomas clínicos dessa angústia, como falta de apetite, privação de sono, feridas e letargia, além do estado psicológico de tristeza (lembrando que o termo “depressão” não existia ainda). Em casos graves, a nostalgia podia ser letal.
No começo da vida da nostalgia, acreditava-se que ela era uma doença exclusivamente suíça. Apenas a vida na Suíça seria tão boa a ponto de provocar tamanha angústia em quem saísse de lá. Depois, a doença se espalhou pela Europa, mas todo país achava que sua nostalgia era única, mais sofrida que as outras.
Esse fenômeno explica muito bem uma das formas como a nostalgia funciona: quando sentimos falta de um lugar ou tempo ao qual não conseguimos voltar, temos a tendência de achar que eles eram objetivamente melhor do que todos os outros lugares e tempos, quando, na verdade, esse valor todo só existe para quem está sentindo aquilo, então de objetivo não tem nada.
O que o futuro tem a oferecer?
Olhar para o passado tem tudo a ver com o futuro também, mesmo quando a gente não admite isso. Se o futuro apresenta dilemas grandes demais para serem enfrentados, o passado aparece como o conforto perfeito, com soluções já testadas, bem sucedidas. Parece que estamos passando exatamente por um momento desse.
Se Os Jetsons olhavam para o século XXI imaginando um futuro mais interessante, com soluções tecnológicas que resolveriam nossas vidas, hoje o século XXI olha para Os Jetsons pensando que é muito legal o mundo que eles criaram, mas infelizmente não rolou.
O futuro trouxe emergência climática, precarização do trabalho, falsas esperanças de ascensão social, monopólios de big techs, enfim, trouxe incontáveis motivos de desânimo, para dizer o mínimo. Nesse caso, voltar ao passado soa como um refúgio excelente.

Uma questão não muito estética
Quando vemos uma tendência nostálgica no design, costumamos pensar que é só um visual que voltou a ficar descolado porque o tempo passou. Isso pode ser verdade também, mas dificilmente como fator isolado, especialmente quando vemos a nostalgia se tornar um recurso massivo e duradouro, não apenas em casos pontuais. A questão geralmente tem a ver com valores que queremos resgatar, não apenas uma estética.
Por exemplo — já trazendo a conversa para a nossa área —, alguns anos atrás passamos por uma tendência de branding quando parecia que todas as marcas queriam passar por um processo de neutralização. Era Helvetica para tudo quanto é lado, e mesmo marcas de campos historicamente muito expressivos, como a moda, passaram a ficar todas parecidas entre si, todas sem muita personalidade.
Um dos cases decisivos para virar essa chave, que encantou todos os designers na época (em 2018), foi o rebranding da Chobani, marca americana de iogurtes. A nova Chobani era uma marca muito mais calorosa que a antiga, especialmente o logotipo, construído com uma tipografia que dá fonte de abraçar e tem um pouco de fontes como Cooper e Windsor, muito populares nos anos 1970. As embalagens também apostam em uma sensação de proximidade, com ilustrações cheias de textura, ao invés de fotos (como era anteriormente), e até o branco da embalagem virou um off white fosco.
O ponto é: não é a serifa fofinha que importa (mentira, ela importa bastante!), mas a nostalgia serve aqui principalmente para materializar um produto que pareça mais autêntico, menos esterilizado por um olhar de branding “profissional” e “moderno”.
Branding: a casa da nostalgia
Não só a Chobani resolveu apostar em uma identidade visual mais calorosa do que a anterior e com um pé em décadas passadas. Aliás, se tem um campo onde a nostalgia fez um grande bem foi no branding, porque pelo menos deixamos para trás aquela obsessão em deixar tudo com cara de sans-grotesca-neutra. Várias marcas vieram nessa esteira, recorrendo a recursos nostálgicos cheios de expressividade.


Tipografia: um problema de registro
Nada como uma fonte das antigas para nos transportar para outra época. Vejamos, por exemplo, o que a série Stranger Things faz com a fonte ITC Benguiat: os anos 1980 inteiro se materializam naquele logotipo, que não precisa de muitos outros elementos gráficos para se sustentar.
A tipografia também está envolvida em todos os fatores de nostalgia que listamos aqui, como a nossa sensação de que, atualmente, as coisas ficaram profissionais demais, muito limpinhas, e que poderiam ganhar uma textura, uma bossa, até um defeitinho aqui e ali. As letras conseguem resolver essa questão com maestria, e por isso vemos tantas tendências tipográficas nostálgicas.
Mas existe outro fator importante no desenho de fontes especificamente: a produção de 99% da história da tipografia é inacessível para nós. No máximo, funcionam como relíquias. Isso porque nós não usamos mais fontes em tipos de metal, fotocomposição, letraset ou qualquer outro tipo de tecnologia. Quando o assunto é fonte, nós só temos as digitais.
Então o trabalho “nostálgico” de resgatar fontes antigas e criar versões digitais para elas não serve só como uma forma de romantizar o que já passou, mas é um meio para fazer com que muitas fontes continuem vivas.

Se você usa a Helvetica hoje em dia, é porque alguém (várias pessoas) em algum momento (vários momentos) parou para desenvolver versões digitais da Helvetica, mas não foi assim que ela nasceu. Ou seja, toda versão da Helvetica hoje é uma adaptação da original. Agora imagina que existem milhares de outras fontes do passado que são menos populares e nunca tiveram a chance de ser introduzidas no mundo atual.
Há uma discussão parecida no mundo do videogame, que também sofre com a perda de registros causada pelas mudanças de tecnologia. Os emuladores, que muita gente olha apenas como pirataria, também impedem milhares de jogos de se perderem para sempre. Afinal, a cada dia que passa, é mais improvável alguém ter contato com um console obsoleto.
Escolha sua nostalgia
Como falamos lá no começo, a nostalgia é um vetor que pode apontar para inúmeras direções diferentes, umas mais produtivas do que as outras. E não tem nada de errado em querer se esconder na sua “casa” do passado, mas também é sempre legal pensar em como usar a nostalgia para jogar a discussão para frente. Não deixá-la funcionar como uma âncora, mas um mundo de possibilidades de criação, de pensar soluções diferentes, de trazer de volta soluções interessantes que ficaram perdidas no meio do caminho e até de valorizar quem veio antes da gente e já teve grandes ideias para nos inspirar.
Um spoiler nostálgico
Você não achou que nós estamos imunes às seduções da nostalgia, né? Pois é, aqui na Plau também gostamos de relembrar nossos dias passados, inclusive os que vieram antes da gente! Muito em breve, vamos lançar uma fonte com alma nostálgica que, ao mesmo tempo, atualiza um clássico para tempos atuais. Com direito a lançamento com ensaio fotográfico e tudo, veja só. Fique de olho!
Ótimo texto! Primeiro que leio da Plau e já me encantei pelo conteúdo, parabéns :)