Talvez você precise desopilar: um guia criativo
Como recarregar as energias criativas no fim de ano
Diferente do que nos é ensinado — ou do que o nosso ritmo de trabalho exige —, a criatividade não é uma fonte inesgotável de onde você pode pegar ideias infinitas. Ela é um fluxo, que precisa ser nutrido e canalizado. Como qualquer energia, precisa de espaços de recarga e descarregamento.
No final do ano sentimentos de esgotamento e exaustão são levados ao extremo. A Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) estima que 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem de burnout e, segundo a OMS, o Brasil é o país com maior número de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo. Não seria de outra forma para nós, que trabalhamos com criatividade. Estamos naquele momento do ano em que tudo ao nosso redor parece uma grande maratona: prazos apertados, eventos e pressões profissionais e pessoais, tudo ao mesmo tempo.
Veja bem, não estou aqui para oferecer soluções rápidas e fáceis para um problema tão complexo e multifatorial quanto o esgotamento numa sociedade desigual e em ritmo de trabalho adoecedor. Essa ideia de super produtividade faz com que a gente queira dar conta de tudo e resolver a vida toda antes de dezembro acabar. Me surge a pergunta: como manter o fluxo criativo funcionando em meio ao cansaço, à pressão e ao estresse?
A criatividade é muitas vezes entendida como algo místico ou inalcançável. No entanto, é uma habilidade humana natural, como a memória ou a linguagem, que pode ser desenvolvida e estimulada. Mais do que isso, ela é uma resposta às nossas experiências, emoções e conexões.
Um lembrete gentil para esse final de ano: você não é uma máquina. Não dá para criar no cansaço e no esgotamento. Seu tempo de descanso é tão importante quanto o tempo de criação.
Dito isso, neste texto eu quero trazer alguns caminhos e reflexões sobre criatividade, bloqueio criativo e mão na massa.
Criatividade é a capacidade de criar.
Criar é um ato humano, natural e cheio de nuances. Como diz Corita Kent, no prefácio do livro Aprender de Coração: “Todos nós somos capazes de falar, de escrever e, se os bloqueios forem removidos, todos podemos desenhar, pintar e criar coisas. Desenhar, pintar e criar coisas são atividades humanas naturais, mas em muitas pessoas essas sementes permanecem em estado dormente, como potenciais ou desejos.”
Os bloqueios criativos geralmente surgem em duas situações:
Falta de ideias: Estresse, perfeccionismo, sobrecarga e cansaço esgotam qualquer cabecinha. Aqui existe uma pressão para ter ideias brilhantes do ✨ absoluto nada ✨. Uma dica de ouro para lidar com o medo da folha em branco é praticar colagem. Nessa técnica a gente começa a criação a partir das imagens e não do papel vazio.
Excesso de ideias: Lembra que criatividade é um fluxo? Nesse caso, as ideias chegam e não são executadas. Quando tem tanta coisa na cabeça que fica difícil decidir o que fazer primeiro ou como se organizar. Uma estratégia para tirar as ideias da cabeça é anotar tudo, sem filtro! E só depois organizar em categorias ou temas e definir prioridades e possibilidades para a execução dessas ideias.
Outro ponto que sempre me inspira em Corita Kent é como ela via as limitações como uma força criativa. Para ela, restrições como formatos, datas ou horários não eram barreiras, mas pontos de partida. Essas estruturas, em vez de limitarem, permitiam uma produção menos angustiante.
Entender a criatividade como habilidade humana, e não como dom, é um passo para desmistificá-la. Como bem afirmou Rick Rubin em O Ato Criativo: "Sinta-se livre para experimentar. Faça bagunça. Adote a aleatoriedade. Quando o recreio terminar, nosso aspecto adulto pode analisar: o que as crianças fizeram hoje? Será que há algo bom? E o que significa?" Criar é tentar, errar e se surpreender.
Se tem algo que a tipografia nos mostra, é que uma ideia pode se desdobrar de mil maneiras. Pegue uma letra, qualquer uma: quantas formas você consegue imaginar para ela? É uma demonstração prática de como a criatividade é olhar para o mesmo problema e encontrar soluções diferentes.
Um exercício clássico para destravar o olhar é desenhar uma única letra de várias formas diferentes. Brinque com espessuras, ferramentas e estilos. O céu é o limite.
Existem caminhos possíveis e sustentáveis para manter a cabecinha criativa. Praticar atividades que fogem do trabalho é essencial. Feche esse computador 🫵. Hobbies que envolvem criatividade, mas sem a pressão de resultados, podem ser uma possibilidade. Fotografar, desenhar, fazer colagens, bordar, mexer o corpinho ou até mesmo cuidar de plantas são formas de reabastecer a mente.
Puxando um gancho teórico, eu AMO esse texto da Lorraine Wild, de 1998:
“O conhecimento acumulado com atividades que podem ser descritas como táticas, cotidianas ou meramente artesanais é poderoso e importante, e deve constituir o fundamento da formação e do ofício de um designer. É assim que criamos ideias; e, também, é assim que criamos cultura. Por que outro motivo estamos aqui?”
Eu amo esse texto porque me faz pensar no quanto nossas pequenas ações do dia a dia moldam não só o que criamos, mas quem somos. Criar é isso: conectar o que a gente vê, sente e vivencia.
Para fechar, vou trazer a conversa para o universo da colagem analógica com um dos meus trechos favoritos de Fernando Fuão:
“No mundo da collage, o acaso não cansa de faiscar. A matéria da collage é essencialmente acaso. Em todo fenômeno do acaso existe algo de divino, providencial, no sentido de acabar com a angústia da espera, da expectativa. Por isso o acaso relaciona-se com a esperança.
Por isso se olha pela janela, pela porta, e para o relógio e para o céu. O acaso, o acontecimento, pode ser provocado, basta ser descuidado. Salvo casos particulares evidentes, deve-se estar quase todo o tempo despertando e provocando a ‘sorte’ para que o ‘azar’ objetivo se manifeste, para que o outro apareça.
Se realmente existe a possibilidade de voltar a conectar o que foi fragmentado, colar o despedaçado, o quebrado, é através da máxima do ‘contato’, com(tato) que se pode construir, aproximar, interpenetrar, ocupar, comunicar o que foi distanciado pela fragmentação da representação, das imagens técnicas.
[…]
A collage só pode existir em um mundo despedaçado, fragmentado, hostil, por isso é expressão de nosso tempo. A verdade é que não pode haver collage em um mundo intacto, onde não existam pedaços para serem colados. Collage é um gesto sobre um mundo destroçado, de alguma forma: hostil. Quem faz collage não pode contentar-se com um mundo em ruína. Re-colar esses fragmentos é construir um mundo novo.”
Que tal usar esse recesso para brincar, observar e criar? O importante é curtir o processo — e deixar que o acaso te surpreenda.
✂️ Dica prática pra soltar a criatividade: colagem analógica
Aqui eu vou te dar o mapa das pedras para colocar sua criatividade usando uma atividade pelo qual sou apaixonada e que define boa parte do meu trabalho: a colagem. Mas não só isso. Preparei uma lista de materiais para você começar nela e um desconto para a minha próxima oficina de colagem!